sexta-feira, dezembro 02, 2011

Leonel . (cap 2)


"Leonel" é uma história comovente de um pombo-correio que sofre de vertigens e que é constantemente perseguido pelos seu colegas e chefes.
A viver num pombal alugado em Chelas, Leonel é igualmente assediado pela sua ex-pomba que não só lhe leva todo o milho que ganha no final do mês como se enrolou com uma rola pensando tratar-se de uma pomba albina.
Um relato dramático relatado na primeira pessoa e que aborda temas importantes da nossa sociedade actual, como por exemplo... hum... hã... o coiso!



"Leonel"


Capitulo 2


Se há coisa que eu detesto é acordar com o barulho dos carros. Deixam-me logo mal disposto para o resto do dia. É o barulho e a pior ainda, é a fumarada… muito fumo largam estes humanos para a o ar… Merecem bem cada cagadela que lhe damos….

Por falar nisso… vou ali ao candeeiro já venho. 

Este é um bom candeeiro, pois da parte de trás tem um telhado e, virado para ali não me parece estar tão alto. E assim posso estar a mandar o meu “fax matinal” sem as tonturas.
As tonturas (como eu me refiro às minhas vertigens…) começaram quando o Herculano, o meu irmão, um dia na brincadeira de miúdos, me empurrou de uma ponte na Calçada de Carriche.
Não estava à espera e por pouco não acabei encastrado na grelha de radiador de um Volvo da Carris… ainda levei uma valente trombada, enrolei-me debaixo de uma mota e fui atirado para a berma.
Miraculosamente e passado umas horas, acordei debaixo de umas folhas de jornal na berma da estrada. E quando já toda a gente pensava que eu era um Pombo do Além, arrastei-me caminhando e cheguei a casa.
A receção foi inesperada, sobretudo do meu pai:
- Mas este gajo ainda é vivo?!? Chiça!!
O Herculano estava sem palavras e até com um ar assustado e quando me atirei a ele para lhe partir as fuças, o tipo desata a esvoaçar em direção a um telhado e pumbas… foi aí que se deu a primeira tontura…
AHH! O planeta virou-se de patas para o ar, tudo ficou turvo e eu estampei-me contra o telhado de zinco do pombal e vomitei-me todo.
“Mas que merda vem a ser esta, pá?” gritou o Lopes, que era o senhorio do pombal. “Então não é que o miúdo se gregoriou todo contra o telhado”, gritava ele enquanto todos se riam da minha poça de vomito… Provavelmente o escape da CBR deve-me ter afetado qualquer coisa no miolo…
Nunca mais gostei dos escapes. Além de mandarem fumo e barulho, foram os causadores das minhas tonturas. MALDITOS SEJAM, seus tubos de metal fumegantes!!

A partir desse dia, escusado será dizer, passei a ser o bombo da festa do resto do pombal… levava porrada de todos (até do Marreco…e do coxo… e do cego…) e o pessoal só tinha de fugir para um sítio alto e gozar a cena… (Mariconços… eles que viessem cá abaixo que mostrava-lhes como era…)

E voar, consigo? Atualmente, consigo voar, mas só mesmo assim rentinho a chão…

E perguntam então vocês: Mas então para que merda serve um pombo que tem vertigens…
Bom… basicamente para nada.

No entanto, consegui trabalho como pombo-correio que um primo da Larissa ( a minha pombinha albina…) me arranjou. Não posso assim fazer viagens muito grandes, mas assim aqui pela zona, sem muitas cambalhotas, a coisa ainda se faz…
Agora, noutro dia, mandaram-me fazer uma entrega ao 15º andar da Torre das Amoreiras e foi um fartote. Não é todos os dias que se vê um pombo-correio à espera de elevador, né?

(… uma lágrima.)

Ah… maldito milho…

(…)
Bom… agora é arrancar para o escritório que ainda levo um bocadinho a chegar lá… isto a direito e pelo ar seria um saltinho… agora a pé… uff!!

- Leo, vai-te lavar que andas cheio de piolho – gritou a Larissa lá do bacio da água
Piolhos!! Piolhosa é ela… eu terei, vá, uns 3 ou 4… mas não mais do que isso…
- E despacha-te que eu ainda tenho de deixar um grão de bico na minha mãe…

Ui… a sogra! Outra que tem a mania que é rôla… Nunca gostou de mim, mas isso deve ser da frustração… O marido um dia saiu de casa para ir comprar sementes e nunca mais apareceu… dizem que pousou num cargueiro filipino ali para o cais do Sodré e nessa noite houve arroz de pombo…

- Vou sair para o trabalho… sabes bem que ainda demoro…
- Mas já que não vais a voar, por que não apanhas o 81 que pára em Santa Apolónia?
- Porque o autocarro é ALTO, porra…!! Sabes bem que me faz espécie ir ali ao vento e capaz de cair dali abaixo…
Além de que, lá de cima não se vê bem o nº do autocarro e uma vez apanhei o 44 por engano e fui parar a Moscavide… e ainda tive de fugir de uns paquistaneses esfomeados que correram atrás de mim com olhos de quem me filava se eu não corresse para dentro de um cano de esgoto…
Sei que foi uma fuga de merda, mas em momentos de aperto, a malta nem pensa…
Olha… por falar em momentos de aperto…

(… outra lágrima)

Ahh! Este doeu…

- LARISSAAAA!!
- O que é?!? Diz, que me estou a arranjar…
Arranjar, o quê? Muita merda tem as mulheres que fazer antes de sair… é polir a anilha, ajeitar as penas do cú, limpar o bico, arrumas as asas…
- Vê se passas pelo mercado e vê se me trazes qq coisa diferente de milho que tou outra vez a ficar preso dos intestinos.
- Olha-me o lorde, hein?!? Queres o quê? Sementes de linhaça? Olha, traz mais dinheirinho que a gente logo fala… para já, comes milho que já é muita bom…
- Mas tu queres ver que eu tenho de ir aí abaixo e partir-te a…

UI… Tontura!!

- Ó Leo, tu não me chateies com essas mariquices, pá… Olha, eu como o milho e ando bem. Voasses mais e não andasses tanto a pé!! Onde é que já se viu, um “pombo caminhante”… devias era deixar de ser pombo correio e seres pombo –peregrino… punhas assim um colete refletor como os humanos e era ver-te direito a Fátima…
“Hum…” - pensei cá para mim - “Se calhar devia…”
Ajeitei as penas do pescoço para cima, e meti-me ao caminho do trabalho…

“Se calhar, devia…”