sexta-feira, dezembro 30, 2005

As palavras que não queria dizer...


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Nota introdutória:
Esta imagem pertence a um filme que se chama "Para Além do Horizonte", com Robin Williams e Cuba Godding Jr.. Para quem acredita que existe algo mais depois desta nossa vida, deveria ver este filme...

Moinantes

Tenho um amigo chamado Luis...

Fomo vizinhos num pequeno bairro de vivendas em Mem-Martins, com três casas de distância... crescemos juntos desde putos mas como tinhamos uma diferença de 3 anos ( ele é mais velho...) acabou por ser no inicio da idade adulta, onde esses 3 anos já não eram tão espaçados, que nos começamos a dar mais. O Luis tem um irmão, o Rui, que é mais novo que eu 8 meses, pelo que, desde puto, que era visita frequente da casa deles e eles da minha.

Jogávamos à bola até ser noite, jogávamos no ZX Spectrum que eles tinham, no escritório do pai, quase até de manhã, andávamos de bicicleta... éramos grandes amigos... eu e Rui, como somos quase da mesma idade, estávamos sempre mais próximos.

Passei com eles festas de anos, Natais, Fins-de-Ano, algumas coisa que só em familia é que se está presente... e com eles sentia-me em familia... Notem que tenho um irmão mais velho que eu 13 anos e que adoro como se adora um irmão. No entanto, como casou cedo e vive no estrangeiro, esteve quase sempre ausente, pelo que sempre senti que o Rui e o Luis foram mais que os meus melhores amigos: foram e são meus dois irmãos...

A nossa infância e adolescência foi passando, com as alegrias que só agora damos valor e com as "dores de crescer" que agora já nem nos lembramos, e fomos crescendo, até arranjarmos as namoradas, estudos e trabalhos e acabarmos por seguir as nossas vidas por caminhos diferentes... e as distâncias fisicas acabaram por aparecer.

Já não nos vemos com tanta frequência, já não jogamos à bola nem computador... mas sempre que estamos juntos, sentimos aquela proximidade e aquela cumplicidade que só existe em quem está dentro do nosso coração... e os abraços que damos são sinceros e apertados... e sentimos que estamos com amigos... com familia...

No principio dos 90's, o Rui foi fazer um intercâmbio escolar para os EUA durante um ano e acabou por ser nessa altura que eu e o Luis cimentámos mais a nossa amizade, talvez pela falta que o Rui nos fez... Nessa altura, fomos para um ginásio de musculação, gostávamos de desporto (bicicleta, futebol, basquete...) e acabámos por encurtar aquela diferença de 3 anos que nos separava. Saíamos com a malta, diversão, alguns copos... Mesmo depois do Rui voltar dos EUA, continuámos sempre a ser muito próximos... Lembro-me que fomos à 12ª concentração de motos a Faro, fizémos montes de maluqueiras... miúdas... foi um daqueles anos de loucura quase total...

Mais tarde trabalhei com o Rui 3 anos numa empresa que ele criou...Passámos bons e maus momentos... houve diversão e houve zangas, houve risos e houve choros... mas guardo todos com uma incrivel clareza... Quando saí da empresa por minha iniciativa, a nossa despedida e o abraço forte que demos, está guardado na minha memória como dos momentos mais dificeis e das decisões mais complicadas que tive de tomar... mas a amizade nunca esteve comprometida... e cada encontro é uma alegria que sentimos... e o abraço é forte e verdadeiro...

Depois a vida levou-me para o casamento, para longe de onde morámos e tivémos um período de maior afastamento... Mas sempre fomos marcando uns jantares, umas saídas, umas visitas a casa um do outro... Depois vieram as minhas filhas e o tempo tornou-se cada vez mais escasso e mais dificil de conciliar tudo... e os meus amigos ficaram mais longe da vista... nunca do coração...

É então que à mais ou menos dois anos recebo um telefonema do Rui a dar-me a noticia que ao Luis tinha sido diagnosticado um cancro bastante agressivo (um sarcoma) e que o caso era muito sério...

Fiquei bastante abalado com a noticia e, como estava a atravessar um período mais conturbado da minha vida, não consegui arranjar equilibrio emocional para ir ter com ele e dar-lhe algum apoio ou uma palavra amiga... sinto que aí lhe falhei como amigo, num momento que ele mais precisaria de um... creio que por não saber o que lhe dizer ou o que se fazer numa circunstância destas... mas falhei e terei de viver com esta minha falta enquanto viver...

Só ao fim de uns três meses lhe tentei ligar e nessa altura já ele estava a fazer quimioterapia e os sintomas que advêm de um tratamento fortíssimo como o que o Luis foi sujeito... cada ciclo era um suplício e o telemóvel estava sempre desligado... e só ao fim de uns seis meses acabei por estar com ele e pedir-lhe desculpa de não ter vindo mais cedo...

mas as desculpas não se pedem... evitam-se...

Depois ele foi operado, melhorou e pensámos que tudo seguia para uma recuperação total... mas a doença voltou e com mais força... e as mesma forças que a ele lhe foram faltando...

Estivémos os três juntos este Julho que passou no Algarve, em Pedras D'El Rey, onde estava a passar férias com a minha familia e onde os pais do Rui e do Luis também têm um apartamento. O Rui tem casa em Santa Luzia, que fica a 2Km e, sem combinar nada, conseguims estar juntos... Ele estava visivelmente debilitado mas ainda assim, na semana do ciclo de quimioterapia em que se sentiu melhor, veio ter com a gente...

Lembro-me de um dia em que choveu torrencialmente, ficámos sentados na esplanada e falámos de coisas da vida normal, de futebol, de motas, de carros... e a certa altura parou um pouco e disse-me que estava cansado... e eu percebi o que ele quis dizer...

De volta a casa, só os análgésicos e a cama lhe davam algum descanso às dores que sentia...

Mas ainda assim não o impediram de ser o padrinho da sobrinha Beatriz, a filha do Rui, ainda que com um sofrimento muito grande, pois a dores deveriam ser enormes.

Nessa altura já havia tomado a decisão mais dificil da sua vida: fazer uma operação que lhe poderia custar a vida ou esperar que a morte o levasse.

E o Luis lutou numa mesa de operação por 10 horas, onde lhe tiraram 1 pulmão e onde teve várias paragens respiratórias... mas que saiu vivo e a lutar...

Ficou sedado e ligado ao ventilador e lutou por mais 3 semanas até que as forças lhe faltarm e deixou-se partir no dia 11 deste mês, levando consigo uma parte de mim, mas deixando tudo o que só ele era capaz de dar: o seu sorriso, o seu olhar, a sua amizade...

Quero agora acreditar que o Luis continua junto de nós e que se ri com aquele sorriso largo e aquela gargalhada forte que lhe era caracteristica... e que onde ele está não há dores nem sofrimento... e que agora está bem...

Mas mal estamos nós que temos de viver com saudade de não mais o ter aqui...

Adeus Luis, morreste para o mundo mas estarás sempre no meu coração.

E estas são as palavras que não queria dizer...

1 comentário:

Anónimo disse...

Há muito pouco a dizer sobre estas palavras, que apesar de curtas resumem decadas de vida!!
Sem duvida fiquei mais pobre no dia 11 de Dezembro, pois de 3 irmãos perdi 1!
Resta-me apenas o Arthur, que apesar de longe também está sempre no meu coração!
A saudade da distancia, sem duvida que doi muito menos do que a saudade da impossibilidade de ver outra pessoa, que só a morte trás!
Bem hajas Arthur!