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domingo, maio 07, 2006
A Boa e a Má Consciência...
Teria eu os meus 22 ou 23 anos e trabalhei numa empresa de correio expresso, a DHL.
Certo dia, fui assignado para fazer serviços de entregas e recolhas na zona de Alfragide, nos arredores de Lisboa.
Numa das muitas vezes que saia do carro para entregar cartas ou encomendas a empresas ou pessoas, "tropecei" numa carteira de senhora caída no chão. Como não vi ninguém por perto, achei que poderia ver a carteira posteriormente, até porque estava com pressa (era uma empresa de correio expresso, certo?). Se encontrasse algo que me indicasse a quem pertenceria, logo trataria de lha entregar.
Assim, na hora de almoço, verifiquei a carteira e tinha cartões multibanco, um BI da senhora, alguns papéis de multibanco, algumas facturas de supermercado e... quase 300 contos em cheques (alguns ao portador ou sem nome) e quase 19 contos em dinheiro...
Confesso que andei toda a tarde com a carteira no pensamento ( ou melhor o seu conteúdo...) e a pensar o que deveria fazer: ficar com o dinheiro e pôr a carteira num marco de correio ou entregar numa esquadra, ou tentar entregar a carteira à senhora.
Durante toda essa tarde estiveram sobre os meus ombros um bom e um mau Moinantes:
O Bom dizia:
- "Claro que vais devolver a carteira à senhora... pensa na falta que lhe fará os documentos e o dinheiro. Pensa se fosse contigo... a preocupação, a chatice de tirares novos documentos, os cheques que talvez não conseguisses reaver... "
E o Mau:
- "Esquece, pá... fica mas é com o dinheiro, jogas a carteira pela janela e outro que se preocupe com o assunto... estamos a meio do mês, estás "curto" de dinheiro e 19 "continhos" vêm mesmo a calhar... além disso, achado não é roubado... e nem sequer sabes de quem é... não tens nenhuma morada nem telefone..."
Foi uma tarde dificil, com esses dois tipos a moerem-me o juízo...
Mas cheguei ao fim do dia à empresa e resolvi que tinha que devolver a carteira à senhora.
Liguei ao 118, mas não encontrei nenhum telefone em nome da senhora.
Tinha um totobola na carteira, e como antigamente existia nos boletins espaço para preencher com a morada, pensei ter a solução, mas aquele apenas dizia "Alfragide".
Comecei a achar que, de facto, teria que ser "obrigado" ficar com a carteira e seu conteúdo até que, no meio dos papéis, encontrei... uma receita de um pediatra, em nome de um menino...
Liguei para o consultório e expliquei à senhorado consultório que tinha encontrado uma carteira de uma senhora que deveria ser a mãe do menino cujo nome estava na receita e pedia-lhe, não para me dar o contacto da senhora pois não creio que o pudesse fazer por razões de ética e segredo profissional, mas que fizesse o obséquio de telefonar para a senhora e lhe desse o meu contacto, explicando-lhe que tinha encontrado a sua carteira e pedindo que entrasse em contacto comigo, afim de lhe poder dar a carteira.
Assim aconteceu e 10 minutos depois, telefonou para a empresa uma senhora chorando convulsivamente, pois tinha perdido a carteira e estava desesperada, sobretudo pelos cheques que lá estavam... A senhora morava em Alfragide e eu, que na altura morava em Sintra e me ficava em caminho, combinei com ela passar pela sua casa e entregar-lhe a carteira, o que fiz ao final do dia.
A senhora recebeu-me lavada em lágrimas pois nunca pensou em reaver a carteira, quis recompensar-me mas não fui capaz de aceitar nada, pensando para mim na tarde de hesitação que tinha passado, limitando-me a deixar-lhe uma frase daquelas que ficam bem nestas ocasiões:
- Olhe, uma boa acção não espera recompensa. Sinto-me recompensado pela sua satisfação de ter recuperado a sua carteira. Pode ser que um dia me façam o mesmo por mim...
E fui para casa, deitei-me, e dormi uma noite descansada, sem qualquer peso na consciência de ter feito algo de errado.
...
Hoje de manhã, quase 12 anos depois desta história, resolvi ir até à praia da Sereia, na Caparica. No entanto, como o tempo estava ventoso, não me demorei muito e saí de lá pelas 11.00 da manhã... meti-me no carro e uns 15 minutos depois de ter saído, estava quase a chegar a casa dos meus sogros, pensei em telefonar à minha mãe (porque hoje é o dia da Mãe) e não não consiguia encontrar o meu telemóvel... pensei que estivesse caído no carro ou dentro da minha mochila e quando cheguei a casa dos meus sogros, pedi o telemóvel á minha sogra para "me" telefonar e ver onde estaria o meu telemóvel caído, quiçá, debaixo de um banco...
mas não, o telemóvel não só não tocou, como seguiu directo para a caixa de mensagens... ou seja, estava desligado... rebusquei o carro, a mochila, voltei à praia, perguntei no bar da praia, fui ao café onde tinha tomado o pequeno almoço, fiz o caminho todo de volta e népia... nem rasto do telemóvel...
Deduzo então que alguém encontrou um belíssimoNokia 6630, com câmara fotográfica, alguns contactos e fotos que nunca mais irei reaver, e com uma capa para pendurar no cinto, desligou-o, tirou-lhe o cartão para não haver localização, pôs um cartãozinho dele(a) e chamou-lhe "um figo"...
Moral da(s) história(s):
- à 12 anos perdi 19 contos e hoje perdi um telemóvel Nokia 6630
no entanto...
- à 12 anos ganhei uma óptima noite de sono e uma consciência tranquila e hoje alguém ganhou um Nokia 6630, com um cartão de 64 Mb... e se calhar, até dormirá descansadinho(a), "marimbando-se" se as fotos das minhas filhas eram únicas ou se os meus contactos me fazem falta...
A vida não é justa, mas todos sabemos que é assim...
Quanto a mim, permitam-me o egocentrismo de me sentir muito orgulhoso de mim próprio com o que fiz à 12 anos atrás... não creio que tivésse sido a mesma pessoa se não o tivesse feito...
Nota final:
Se por acaso encontraram um Nokia 6630 este domingo, na Praia da Sereia, na Caparica, junto ao bar Waikiki, pelas 11.00 da manhã, pelo menos mandem-me as fotos das minhas filhas para o moinantes@gmail.com, ok?
e tenham uma vida feliz... tá?
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1 comentário:
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